domingo, 5 de maio de 2013
Meu infeliz celular novo
Não compreendo muito bem essa ânsia que certas pessoas têm de trocar seu celular por outro mais moderno, jogando o antigo no lixo a cada seis meses. Mentira: compreendo, sim. São pessoas normais, que lidam com tecnologia desde que largaram as fraldas, não são da época da pedra lascada, como eu.
Só uso celular para receber e fazer ligações, e para receber e enviar torpedos (o que aprendi muito recentemente, diga-se, e até hoje me atrapalho). Não pense que estou me gabando, agora que me declarei publicamente uma hippie que perdeu o rumo da história. Sei que estou reduzindo minhas possibilidades de ser feliz. Eu poderia tirar fotos com o celular, receber e-mails pelo celular, ouvir música pelo celular, desfrutar de passatempos variados pelo celular, mas eu embestei que não preciso de nada disso, a não ser usar o aparelho para telefonar. O que, justiça seja feita, me coloca num patamar de subdesenvolvimento, acima daqueles que nem para telefonar querem um. Conheço um cara que nunca teve um celular, que se nega, bate o pé, rejeita a ideia, e acho que ele deveria reconsiderar, pode precisar dar um telefonema no meio da estrada com o carro quebrado, vá saber. Tento convencê-lo e não tem jeito, chega a ser irritante em sua teimosia. Mais uma prova de que o fruto nunca cai longe do pé, já que o cidadão é meu pai.
Eu não chego a tanto. O celular facilita a minha vida. Não me tem como refém: eu sou a dona dele, não ele de mim. Poucas pessoas possuem o meu número, ele quase não toca. E eu só o utilizo para recados rápidos, assuntos domésticos, pendências profissionais, nenhuma conversa bombástica que mereça ser gravada. Eu até o esqueço em casa de vez em quando. Então para que eu precisaria de um modelo novo? Poderia ter ficado com meu antigo até o fim dos dias, mas dia desses ele respirou com dificuldade, engasgou uma, duas vezes, e morreu. Como tenho pontos acumulados até para comprar a operadora, acabei recebendo um modelo de última geração. E desde então não durmo mais.
A moça que me atendeu disse que eu me acostumaria em questão de horas. Nenhuma dúvida. Vou me acostumar daqui a umas 678.423 horas. Eu implico com a configuração atual do aparelho. Eu estranho os novos ícones. Eu não sei onde ele liga. Nem onde desliga. Eu precisarei digitar nome por nome, e número por número, para formatar minha nova agenda. Eu não tenho mais o meu ringtone clássico, agora o barulho que ele faz ao tocar é diferente, e eu que sempre respeitei as diferenças, virei nazista, xenófoba, misógina, homofóbica e biruta. E ainda nem falei o que me enerva mais: não ter teclas. Agora é tudo na base do toque. Just touch. Repouse o dedo suavemente nos aplicativos, deslize o indicador na tela, assim, com delicadeza, isso... Não precisa apertar, não precisa apertar!
Até a publicação dessa crônica, estarei familiarizada com ele, claro. O exagero é o último recurso dos cronistas sem assunto no verão.
Mas que já estou com saudades do que deixei pra trás em 2009, estou.
Martha Medeiros
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